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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

SOU PRECONCEITUOSA RACIAL. GRAÇAS A DEUS...


Sou preconceituosa racial. Graças a Deus assumo essa minha condição social (mentira minha, Deus não tem nada a ver com isso). Isso mesmo, racismo é uma condição, deixar de construí-lo é um exercício cotidiano e doloroso, é você sair do seu lugar, se descentralizar e perceber-se parte de uma sociedade tirana que não se faz só, se faz com nós e a partir de nós. O racismo só será superado quando, antes de tudo, ele for assumido por cada indivíduo e em posse disso decidir que é hora de transcender essa estrutura cristalizada e viral.
Eu sou negra e decidida a não ser, a não ser racista. Mas sou traída por uma educação que deu certo. Desde pequena eu ouvi: “é negro? É ladrão, é bandido, é aproveitador, é cafajeste, é a escória social!”; “é negro? Está numa rua deserta? Atravesse! Ele vai te assaltar”; “é negra? É mulher fácil, é feia, não é para casar, é aproveitadora!”.  Proclamação em menor escala, pois poderia citar exemplos piores que minha audição vem registrando. 
Eu não sou diferente, gente. Eu não sou superior. Mas me orgulho de assumir meus fracassos diante disso. Sempre fui otimista e até costumo dizer que a maioria das pessoas racistas que eu conheço não é assim porque gosta, porque é má, porque é bom. Elas o são porque mais de 500 anos de “civilização” escravocrata engessa mentes, engessa gentes. O racista “fudido” é aquele que sabe de sua condição de racista e nega o discurso, nega o posicionamento. Assume a inércia. Eu não tenho vergonha de assumir para mudar, para transcender, para transgredir.  Por isso vou contar um causo que ocorreu ontem comigo - mulher negra.
Fui assistir, pela terceira vez, ao Espetáculo Cabaré da RRRaça do Bando de Teatro Olodum, cheguei cedo, queria sentar em um lugar privilegiado, pois um amigo querido atua nessa temporada. Antes de ir ao Café do Teatro, havia um homem, que libera a entrada do público, na porta que dá acesso à sala principal, ele estava de camisa preta com o nome do teatro atrás, calça jeans e tênis. A maioria da equipe de apoio do Vila Velha é negra. Ok. Quando retornei, ele não estava mais lá, desci, fui à bilheteria checar se havia mais ingressos e ao retornar, havia na entrada outro homem, agora de frente, também negro, de blusa preta, de jeans e tênis. Eu nem refleti, nem pensei:
-Que horas vocês vão liberar a entrada?
-Oh desculpe, eu não faço parte de nada não!
-Desculpe...
Fiquei arrasada, demasiadamente arrasada. Chorosa até. Como é que eu ia entrar agora para assistir à peça? Eu fiz o que sempre fizeram comigo, confundi o homem que ia assistir à peça com o segurança. No meu caso confundiam com a empregada doméstica ou com a mulher disponível.  Ainda confundem.
Desabafando com amigos, a maioria disse: “Zane, calma! Você não tinha como prever.” Ok. Realmente, não sei se teria. Mas eu assumo que se fosse um homem branco, de camisa preta, de calça jeans e de tênis, eu não o teria confundido, quase certa que não.
O rapaz me desculpou, ele viu meu olhar de fracasso, de desespero. Mas eu não me perdoo, ainda não consigo.
Relato esse fato para mostrar às pessoas que eu, mulher negra, que luta e enluta contra o racismo ferrenhamente, fui traída por uma educação que deu certo. Mas assumo, por acreditar que é isso que me faz acordar todo dia e decidir não ser racista e, talvez assim, estimular que muitas pessoas acordem, também, todos os dias com esse mesmo propósito social. Enfiar uma faca no racismo a fim de mata-lo é uma DECISÃO que muitos não estão dispostos, com isso, ver o sangue brotar...

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